Décadas atrás, numa quarta-feira, o casal Nelson e Marina, residente em Natal, passou um grande susto. Ao voltar do trabalho no final da tarde, a casa estava às escuras e sem nada preparado para o jantar.

Como de costume, Marina tinha deixado com a empregada Josefa o dinheiro do pão, e recomendado o que deveria ser feito. Como o dinheiro não estava mais no local onde sempre era posto, o casal entendeu que a empregada tinha ido à padaria e ainda não havia voltado.

A serviçal, muito eficiente, estava nesse emprego há sete meses, e dormia na casa dos patrões. Tinha folga nos fins de semana e retornava na segunda-feira, de manhã cedo. Muito calada no que se referia à sua vida pessoal, Josefa havia dito aos patrões, apenas, que era de Goianinha (RN), solteira e tinha 32 anos. Suas folgas semanais, passava na casa de uma amiga, no bairro das Quintas.

Nelson e Marina aguardaram alguns minutos e, preocupados, saíram à procura de Josefa. Foram até à padaria, andaram pelas ruas mais próximas e perguntaram às empregadas da vizinhança se a tinham visto sair de casa. Ninguém dava notícia da moça.

Com a demora de Josefa, o casal entrou em pânico, temendo que tivesse ocorrido alguma coisa séria com ela. Pensaram em atropelamento, ou coisa pior.

Já tarde da noite, o dono da casa telefonou para o pronto-socorro, para saber se tinha dado entrada ali uma moça de nome Josefa Gonzaga da Silva, mas foi informado de que na lista dos pacientes atendidos naquela tarde, esse nome não constava. O casal passou a noite em claro, ouvindo os noticiários das melhores rádios de Natal, na expectativa de alguma notícia trágica envolvendo Josefa.

Ao amanhecer o dia, Nelson ligou para o Instituto de Medicina Legal, e respirou um pouco aliviado, ao ouvir a resposta de que o nome de Josefa Gonzaga da Silva não constava na lista de cadáveres que ali deram entrada na noite anterior.

No sábado, após o almoço, exatamente três dias após o desaparecimento da empregada, Marina ouviu alguém abrir o portão do quintal. Rapidamente, fechou a porta da cozinha e, pela fechadura, viu Josefa entrar e se dirigir ao seu quarto.

Marina tomou uma garapa (água com açúcar), para acalmar o seu “sistema nervoso”. Respirou fundo e foi saber da empregada o que havia acontecido com ela, para que abandonasse a casa daquela forma. A moça olhou para a patroa e, ensaiando um choro forçado, falou:

– Eu estava no hospital, com o meu pai. Ele veio do interior muito doente e foi operado.

Irritada, a dona da casa respondeu:

– Você devia nos ter avisado, ainda que ele tivesse morrido! Devia ter telefonado ou mandado um recado. Ficamos numa aflição horrível, imaginando que tivesse ocorrido uma tragédia com você. Já comunicamos o seu desaparecimento à Polícia, e seu retrato vai sair amanhã nos jornais, “Tribuna do Norte” e “O Poti”, como pessoa desaparecida.

Depois de perguntar à empregada o nome do seu pai, em qual hospital estava e de que havia sido operado, a patroa ouviu a resposta:

– Pai está no Hospital das Clínicas, na Enfermaria 12, leito 3, no segundo andar. O nome dele é Antônio Gonzaga da Silva. Ele se operou de “ovário”.

Admitindo que a empregada estivesse confundindo ovário com próstata, Marina anotou esses dados e, sem dizer nada, foi ao referido hospital, verificar a veracidade do caso.

Pediu informação no setor de internamento e ficou sabendo que naquele hospital não existia enfermaria no segundo andar, como também não constava o nome de Antônio Gonzaga da Silva na lista de pacientes internados. Soube também que os pacientes de enfermaria não tinham direito a acompanhante.

Marina voltou fumaçando de raiva e foi tomar satisfação com a empregada:

– Como é que você não tem vergonha de mentir tanto, Josefa?!!! Seu pai nunca esteve internado no Hospital das Clinicas! Estou vindo de lá agora! E você ainda levantou falso ao seu pai, dizendo que ele se operou de ovário!!! Quem tem ovário é mulher, Josefa!!!!

A empregada, soluçando, resolveu abrir o jogo:

– Eu tive vergonha de dizer a verdade… Fiquei grávida e tomei uma garrafada pra abortar. Tive uma hemorragia e me deu uma dor muito grande no “pé da barriga”. Com medo de morrer, fui pra Maternidade, procurar atendimento. O doutor fez uma curetagem em mim e eu fiquei internada numa enfermaria, até hoje pela manhã.

Marina não acreditou mais em nenhuma palavra de Josefa. Pegou o carro novamente, e, dessa vez, dirigiu-se à Maternidade Escola Januário Cicco. No setor de informações, ficou sabendo que, realmente, Josefa Gonzaga da Silva havia dado entrada ali, na última quarta-feira, à tarde. Fora submetida a uma curetagem de urgência, ficando internada, até aquele sábado pela manhã.

Penalizada com a realidade dos fatos, Marina perdoou a ignorância de Josefa.

Violante Pimentel  –  Escritora

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