DEIXA-TE À MOSTRA E DIREI QUEM ÉS –

Você já presumiu “conhecer” alguém sem nunca tê-lo visto, apenas por supostos objetos que tal pessoa mantém, tais como, livros, discos, revistas, fotos, quadros, vídeos e outros peças caseiras?

Você sim?! Você não?!

Eu me aventurei!

Quando pousamos no aeroporto de Madrid não imaginava como seria a hospedagem contratada através da Airbnb para me acolher, na companhia da minha esposa, filho e nora.

A saída do metrô dava para a praça Puerta del Sol, onde milhares de turistas se misturavam como que ensaiados a transitarem em nacionalidades, raças e gêneros, cada um na sua língua nativa. Imaginei como não foi a balbúrdia na denominada Torre de Babel, bíblica.

Pois bem, logo ali, atravessando esse “mundo” de todo o mundo, estava o conhecido ‘Mercado de San Miguel’, cuja beleza impressiona pela sua arquitetura, estrutura de ferro e, portas e janelas de vidro. O intenso fluxo de pessoas anunciava que ali era um dos pontos de encontro de belezas pessoais e gastronômicas. No seu interior, distribuídas em bancas/balcões você “enche” os olhos nas azeitonas, queijos, cervejas, sucos, frutos do mar, vinhos e doces, que agregam idades e intentos em conversas soltas e divertidas.

Dalí para o apartamento, apenas dez ou doze passadas. Malas acomodadas. Pus a passear meu olhar pelos ambientes em busca do meu cantinho de repouso. Ao achá-lo, chamou-me a curiosidade pelos pertences dispostos nas prateleiras que contornavam o macio leito.

Comecei pelos dorsos dos livros (eles me instigam) e, sem ainda dar maior atenção em escolher esse ou aquele, puxei um e abri na dedicatória: “Ao amigo Miguel, para relembrar nossa infância”. Passei para os dvd’s e me encantei com a seleção: clássicos do cinema mundial, musicais e documentários sobre outros países, notadamente França, Alemanha e Suíça. Segui para a outra ala, as dos cd’s, e me deparei com os dos cantores de óperas, guitarristas, divas francesas e espanholas, e, para minha mediana surpresa, um de Tom Jobim. Mais à frente, várias revistas ‘History National Geographic España’ e finalmente uma caixa com fotografias catalogadas por datas e eventos.

A primeira impressão que tive é que o desconhecido Miguel – proprietário do apartamento – era afeito às artes em geral, e dava a entender, que gostava do que era bom culturalmente.

Passei a vista em algumas fotografias, mesmo me sentindo intrometido, apenas para ter ideia de que as minhas suposições, até então, estavam na direção certa do desafio. Constatei que as fotos mostravam momentos de alegrias, certamente entre familiares e amigos. Em outras, a natureza era o tema principal, principalmente as de belas montanhas e trilhas.

Talvez você esteja ficando aborrecido comigo. Prometo que não fui mais além, pois o meu objetivo era simplesmente adivinhar o perfil daquele que se dispôs a alugar o seu apartamento e sua ‘intimidade’ a um estrangeiro, por dois dias, sem verdadeiramente o conhecer.

Para o arremate final, resolvi folhear os livros e associar seus conteúdos aos vídeos, discos, fotos e revistas e, assim, carimbar a minha intuição final.

Supostamente, pelos olhares (sem permissão), Miguel era um homem culto, familiar, viajado, musical,  e de gosto por aventuras junto à natureza.

Pronto.

Para ajudar nas impressões, um piano com castiçais e velas para iluminar o aconchegante ambiente da sala adornada com belos quadros, validava parte de sua nobre personalidade.

O excêntrico exercício de ter uma idéia de quem é “alguém”, apenas pelos costumes e objetos, parece que funcionou.

Para celebrar tal feito, nada melhor que a cor rubi do tinto AGNVS de La Rioja, da Bodega Valdelana, dançando nas taças sob o céu madrileno dando um toque esplendoroso e coroando a “missão”, tal qual Sherlock Holmes: “Elimine o impossível, e o que restar, por mais improvável que pareça, deve ser verdade”.

 Será!?

Salve, Miguel!

Um brinde!

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

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