DE UTILIDADE PÚBLICA (EMBORA NEM PAREÇA) – José Delfino
 
Tomei conhecimento que 2017 vai ser campeão de feriados e fins de semanas prolongados. Bem-vindo lazer que aumentará, paradoxalmente, a fadiga dos trabalhadores, dizem os cientistas. O que me remeteu à batalha dos relógios. O de pulso, adereço colado ao punho que gira, em princípio, sem parar e delimita os dias e as noites terrenos; e o relógio biológico sempre em regime espontâneo de livre curso, que marca 25,3 horas e é repassado para os ciclos sono/vigília. E que se sincroniza com o tal adorno que marca as nossas 24 horas.
 
Para um melhor entendimento, em experiências de isolamento, onde os voluntários ficam privados de pistas ambientais de tempo ( zeitgeber), o relógio biológico entra em estado de livre curso. Após a conclusão da experiência, as pistas externas de tempo arrastarão e reajustarão o marca-passo endógeno, sincronizando-o com o dia externo de 24h ( rotação da terra ). O que implica atraso endógeno de 1,3h/dia em função do ritmo em que é processado o sinal. O que torna o dia de atividade e a noite de sono mais longos. O voluntário que, por exemplo, passar de janeiro a junho por uma experiência dessas, ao término, nos seus próprios cálculos, ainda estaria no mês de maio.
 
Esta diferença de mais de 1 hora entre o relógio endógeno e o sincronizador exógeno (24h) explica a habitual fadiga das segundas-feiras. A doçura do “fazer nada” do sábado e do domingo (pista de tempo social) faz a maioria ir à cama e levantar mais tarde, o que faz, também, o relógio interno induzir um arrastamento natural de 2,6h no fim de semana. Simples assim, ao acordar na segunda-feira, 7 horas da manhã no relógio de pulso corresponderia a 4 da madrugada no relógio endógeno. Imagine, então, uma quinta-feira enforcada emendada com uma sexta, mais um sábado e um domingo. Portanto, se você encara com dificuldade a primeira manhã da semana inglesa, ou acha que o desânimo físico ao iniciar a semana é anormal saiba que existem em nós dois relógios que regulam o nosso tempo, sempre em constante adaptação.
 
Outra dessincronose ocorre nos que optam por voos transmeridianos ou transequatorianos, onde a passagem abrupta de um fuso horário para outro cria um descompasso entre o marcapasso endógeno e o horário do novo ambiente (sincronizador). Quem chega é acometido de fadiga e mal-estar inexplicável que durará horas ou dias (jet lag ), a não ser que nos adaptemos rapidamente ao novo horário. Daí a orientação que se a chegada for diurna, o correto é a exposição ao sol (claridade) acompanhando a movimentação dos moradores locais e nunca ir direto repousar (dormir) em casa ou num quarto de hotel.
 
Interessante notar que para reajustar o relógio biológico, o organismo prefere atrasar o seu ritmo endógeno de 25,4h, pois já o faz desde a nossa infância. Assim, quem voou no sentido leste-oeste sofre menos do que quem chegou em voo oeste-leste, porque o horário no leste é sempre mais tarde. Alguns experimentos com benzodiazepínicos como o midazolam (Dormonid) demonstram a sua capacidade de ajustar o relógio biológico (arrastamento de fase) aos recém–chegados de viagens internacionais transequatorianas.
 
Um beco com saída, portanto, como muitos fazem hoje em dia em contraponto ao estresse cotidiano. Pensando bem, os relógios só servem para atrapalhar o tempo. Ou seriam as estações, como diz Alex Nascimento? Vão dormir em paz e se preparem para a dessincronose dos longos fins de semana que virão. O que, no fundo, não faria nenhum mal. É até harmonioso esse ócio prazenteiro e relaxante inserido na preguiça e no acordar tarde. O tal do “dolce far niente” dos Italianos. A gente deveria era fazer mais o que dá na nossa telha. Inexequível do ponto de vista prático, algumas vezes. Mas, afinal, só se vive uma vez. Com ou sem relógio. Com ou sem patrão.
José Delfino – Médico, poeta e escritor

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