DE HEGEMONIA –

Uma nova ordem mundial se avizinha. A história nos dá conta que o poder bélico, como forma de dissuasão pelo medo, sempre se impõe desde que o mundo é mundo. E numa forma cruel de retroalimentação, poder econômico e influência geopolítica continuam em união estável. Entretanto, olhar as relações internacionais, em função de ganhadores e perdedores se me afigura como algo um tanto estéril. A aldeia global hoje é plana e multipolar. E as questões globais, também. Traduzindo em miúdos, a dor existe onde o sapato aperta. Apesar de excessivamente bélicos, os EUA detêm a vantagem do chamado “soft power”. Haja vista a capacidade de vender seus valores no exterior e seu imenso impacto cultural no mundo inteiro, evidentemente.

Apesar de excessivamente bélicos, são deles as invenções de poder brando que influenciam grande parte do mundo; o Facebook, o Google, e o Twitter como exemplos. Em termos de liberdade e potencial criativo, os EUA ainda ocupam muito espaço. Das 25 principais universidades do mundo apenas uma é chinesa. Os chineses não farão frente a esta realidade. Nem teriam condições práticas em fazê-lo, ao tentar exercer hegemonia em escala mundial. O problema dos amarelos é a distribuição da sua riqueza interna acumulada num contexto de indigência rural desvairada. Aplicaram à política à técnica de tocar violino , segurar com a esquerda o mando e tocá-lo com a direita. Uma bomba-relógio criada por eles mesmos. Em princípio, o crescimento econômico da China implicaria dominação, apesar do objetivo não fazer parte dos gens da tradição confuciana. Os confucianos defendem um mundo harmonioso exterior em que os países trabalhariam em conjunto para resolverem os seus próprios problemas. Nenhum dos dois lados será capaz de alcançar dominância e o esforço para alcançá-la poderá levar a conflitos que poderiam desmoronar um sistema político e econômico necessário à estabilidade mundial.

Por conseguinte, a nova ordem não poderia ser administrada com o pensamento dito convencional. E é neste ponto que o relacionamento diplomático com a China se tornará importante porque ela cresce de maneira inexorável. A impressão é que ela está ficando cada vez mais confiante e arrogante. Parece existir por lá a sensação que as políticas de Deng Xiaoping traçadas pra contrabalançar os excessos da revolução cultural; as de modéstia e cooperação com os EUA não seriam mais relevantes. Voou do pau a época em que a China tinha a União soviética como inimiga e precisava dos EUA , por conta da sua tecnologia e capital. Época em que necessitava de ajuda para se afiliar à OMS. Portanto, a descontinuidade teria a sua lógica que se insere na análise da habilidade de um lado e a psicologia do outro. Nesse jogo bruto, os chineses prestam muita atenção a aspectos intangíveis de hospitalidade como formas de lidar com os seus interlocutores. Eis a questão. A China se ressente que o mundo, principalmente o oriental, está se tornando cada vez mais hostil ao seu crescimento. Os EUA hoje gastam mais em juros pela dívida federal do que em segurança nacional. E a China certamente haverá de se debruçar mais com as suas dificuldades internas. A questão não é se a China crescerá ou não em termos de magnitude. Isso acontecerá com certeza. A questão está em dois pontos: como a China utilizará sua capacidade, e se os EUA e seus aliados estarão dispostos à adaptação ao novo ambiente. Fico com Hafiz, o poeta persa: “O palácio repousa sobre pilares de ar. Venham e tragam-me vinho; nossos dias são ventos.”

 

 

 

 

José Delfino – Médico, poeta e músico
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