DE CAIPORA –

É um tanto difícil falar da essência de cada paixão. Discorrer sobre ela e seus desencontros é uma jornada de regresso feliz não muito assegurado. Daí eu pensar que mais vale a pena cultivar outras artes. Apesar de todas elas serem apaixonantes. Como a arte do olhar, por exemplo. Nela economizam-se palavras, pois os olhos falam, dizem tudo, ou quase. Feito o silêncio de quem lê ou escreve. Ele cria sentimentos e emoções levados a um grau de intensidade tal que se sobrepõem, provado está, à lucidez e à razão. Daí, talvez, a existência dos vícios. Como esse meu, de maquinar minhas fantasias, pensando na vida. Criando, eu próprio, o imaginário do meu cotidiano.

Escrevendo o que me vêm à cabeça. Com o cachimbo da vez entre os meus lábios.

Às vezes imagino que quando se pôs ereto, tiradas as mãos do chão, o homem olhou pro firmamento e deve ter gostado do que viu. Queimava galhos de árvores para se aquecer. Punha folhas pra secar ao sol. E, de repente, se viu envolvido entre nuvens de fumaça. E as deve ter comparado com as do céu. Daí a encontrar a folha ideal pra fumar deve ter sido um pulo. Como fazê-lo? Ora, eles bolaram os primeiros cachimbos de pedra, de barro, de ossos de animais , qualquer coisa que estivesse à mão.

Relatos dão conta que tudo começou na África, e daí e se alastrou pelo mundo. Entre nós, muito antes da chegada de Colombo os nossos índios davam suas cachimbadas rituais em busca de harmonia de corpo e alma. Como eu, agora. Desculpem aí senhores antitabagistas, mas fumar cachimbo é sublime. Me induz meditação, tranquilidade e paz. Algumas vezes, sem nada a fazer, dando uma de Inspetor Maigret desvendando os meus enigmas (Simenon era caipora) ou uma de Popeye, (sempre feliz, pois parece que Olivia nem ligava). Tudo a depender do meu estado de espírito.

Tenho uma ruma deles. Dia desses, dando um rolé num sábado ensolarado lá na feira do Alecrim, me deparei com mais um. Artesanal. Caríssimo, por sinal. Quatro Reais .Todo ele feito do pau da árvore do angico-branco. Belíssimo. O “dizaine” do fornilho ( se o verbete não existia , criei um agora) já previamente formatado pela natureza. Sem cabo, filtro ou resfriador. Sem polimento algum. Extremamente leve. Fornilho a ser diretamente acoplado à piteira que vem separada. Se escolhe o fornilho que melhor se adapta à empunhadura. E a piteira que cair melhor a cada preferência. Optei por uma mais longa que resfriaria mais a fumaça, dando aquela sensação mais agradável na degustação. Deu certo. Consegue-se uma mistura bem dosada dos sabores do fumo e o da madeira ( coisa impossível nos cachimbos industrializados).

Agora, imagine um artefato rudimentar feito nas brenhas do sertão nordestino com insulamento térmico perfeito, ao arrepio de toda a tecnologia do primeiro mundo. A parte externa não esquenta, nem a pau. E assim, com ele no bico, escrevendo besteira, aqui estou . Aliás, num momento trágico, falando do meu indescritível prazer em fumar cachimbo. Um amigo do peito (inimigo, dizem alguns) que sempre me acompanha. E a ciência a teimar em combatê-lo. Tô nem aí. O amanhã não gosta de ver ninguém bem. Taí a porra dessa pandemia a corroborar o que eu digo.

 

 

 

 

José Delfino – Médico, poeta e músico
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