DE BRANCO –
É fácil pensar. Só pensar. Entretanto, por no papel o pensamento da forma que você vê, nem tanto. Pois é difícil superar o sentimento escondido nele que, às vezes, você até não gostaria de ser revelado de forma tão explícita. Daí a necessidade de escamotear. Daí o uso da linguagem figurada. Da metáfora. Daí a criação da distância entre a intenção e o gesto das mãos que escrevem. E puxar, ao final, o pé do leitor, passar-lhe a perna. Daí a minha opção em escrever poemas.
 
Escrevia um texto e de repente deu um branco. Aquele escuro. Aquele bloqueio mental em que nenhuma frase que chega (isso quando chega) traduz aquilo que você quer dizer. Como superar uma noite em branco ? Talvez escrevendo sobre o branco? Continuou sem dar certo. Foi quando mudei de frequência e fui até a minha praia e fiz um poema. Publiquei e a maioria não entendeu a moral da estória. Jarbas Martins disse que era um parassoneto. Apesar de que as rimas, o ritmo e a métrica não estavam bem nos conformes e ao invés de quatorze versos, por conta do branco, só saíram treze.
 
Francisco Lira , lá de São Paulo, falou que gostou, apenas trocaria a última palavra do poema (imundo) por inundo. Pensei e conclui que trocando um ême por um êne talvez o tornasse menos ininteligível. Afinal, por que brigar por conta de duas consoantes ? E assim foi publicado. Ele, na minha cabeça, totalmente compreensível. Na da maioria dos leitores, não. E assim caminha a humanidade.
 
BRANCO
 
É como arar em chão desértico
Quando vem aquele vento asmático
E sobra no ar um crepitar vazio que nos chove em cima
Da argamassa ao argumento se ultima o passo
Na areia ao fazer-se em sopro a carne do barro em poeira
Que traça a maldição que assenta a voz interior a carecer espaço
Que sonâmbula soa muda ao fazer falaz som e imagem
Que medram se arremedam se repetem e de repente
O que querem é apenas a pena a cor a mão ou um braço
É quando descubro todo o chão do mundo
No acre sabor de grafite do lápis na ponta da boca
Pois como cimento todo poema a caminho necessita traço
O lacre das palavras sôfregas nas quais me inundo.
José Delfino – Médico, músico e poeta.
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