DE ALMA EMPEDERNIDA –

No espaço-tempo específico, onde estou, fico. E a memória vestigial, em gestação, se especifica, se sincroniza e se adapta. E sua estrutura atemporal, como um temporal, me domina. Mineral, carvão, sou. A pedra que pensa e raciocina. Há vinte bilhões de anos, num universo em expansão, essa frágil matéria que gira, parada, em torno de si própria . Urdida estrela, estou. Eu, uma só. A um tempo sólida e etérea presa, confinada a um mundo em movimento , aparentemente parado, que gira em torno de si e de outra estrela: essa, um sol. Pó em redemoinho de vento, da alma sou as lembranças e os elos que sobrevivem em nós, por duas gerações, apenas.

Decerto terei dez bilhões de anos mais, assim iguais. Desatando nós. Só, espero. No norte, uma escuridão de brilho mais luminoso. Pois há bilhões de anos explodida em luz, em cor, serei sempre cinza, de supernova extinta. Ávida à vida, no onipresente claro/escuro, em que durmo ,acordo, me acendo e me apago; no nariz de minha neta, no queixo do meu filho, num pires de porcelana. Difícil ser mais explícito: fujo, pelejo, mato a fome , a sede, o amigo, o inimigo; talho, crio a cria em doce e fria luta. Na noite em sexo só detalho. De luto pesado, de alívio fico leve, corro em frente e sobrevivo, como um facho. Pois tudo é sempre em frente.

O tempo ocorre do passado ao presente. A energia corre ( morre ) do quente pro frio. Do frio ao frio, melhor dizendo, pois um fogo morto de quinhentos mil anos controla a claridade noturna em meu domínio. A minha vida. Essa herança atávica de girar em hipérbole da direita à esquerda em tudo. Como cabeças que giram e vulvas avultam nos nascimentos. Como a mais remota e tresloucada andança a pé entre continentes, nas danças juninas com os meu amores, nas aeróbicas corridas em círculo; no infarto de amor, pau-a-pau com a dor do coração, vinda da direita adormecer o meu doído braço esquerdo. Sou de tudo isto a soma, talvez. O que me assombra e é caro. Um barato, também. Como o chapéu que me esconde. E me protege o olho.

JOSÉ DELFINO – Médico, poeta e escritor

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