CASCUDO: RELEMBRANÇAS –

LUÍS DA CÂMARA CASCUDO permanece e é preciso redescobri-lo até nas minudências. Nas gerações do século XX, ele é o pólo magnético que concentra e traduz as emoções de nossa literatura.

A sua grandeza literária já foi exposta com clareza por mestres do quilate de Américo de Oliveira Costa, seu biógrafo, Veríssimo de Melo, Alvamar Furtado, Diógenes da Cunha Lima, Antonio Soares Filho, Otto de Brito Guerra, Grácio Barbalho, corpo seleto de ex-alunos, amigos e discípulos que mantiveram com ele estreita relação de convivência.

Desejo captar em Cascudo o sentido e o rumor dos densos instantes dos contatos repetidos ao longo de alguns anos. São as sensações – lembranças povoando os espaços da memória, a recomposição de gestos e momentos perdidos, mas de luminosas descobertas da sua genialidade.

Na meninice e na adolescência, a curiosidade era o sentimento que Cascudo me despertava. Só fui entender sua dimensão na Faculdade de Direito. Depois, já na presidência da Fundação José Augusto, passei a frequentar a sua casa repetidamente, envolvido no projeto de reedição dos seus livros.

Recolho, aqui, detalhes do nosso relacionamento pequeno, mas afetuoso.

Cascudo gostava de me chamar “Pisa na Fulô”. Alcunha nascida das calcinadas lutas políticas de Macaíba pelas quais Cascudo se interessava, pois, D. Dhália era macaibense. Jamais perderei a imagem dos seus braços escancarados na saudação alegre quando lhe visitava.

Uma tarde, com os seus familiares, subimos até o terraço do Hotel Othon, na rua Santo Antonio, local onde se descortina uma visão esplendorosa do pôr do sol. O ponto de interseção da mais comovente reação estética que pude extrair dessa visão poética, foi a contemplação simultânea do perfil de Cascudo, o Potengi ao fundo, a cidade ao redor e o céu derramando-se em chamas. Confesso que senti a paz cósmica satisfeita.

A última vez que Cascudo saiu de casa, foi no lançamento de “Folclore no Brasil”, no auditório da Fundação José Augusto, final de 1980.

Após o último autografo, sentenciou, fuzilando-me com olhar: “Pisa na Fulô, você me mata! Outro, só lá em casa!”.

E assim foi feito.

 

 

Valério Mesquita – Escritor, membro da ANL e do IHGRN– [email protected]

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *