CARTA OU MISSIVA? –

Sempre me interessei pelo Big Brother. E não me refiro ao livro “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” (“Nineteen Eighty-Four”, 1949), de George Orwell (1903-1950), embora seja fã da obra do escritor indo-britânico. Falo mesmo do BBB (Big Brother Brasil), que, nestes tempos de pandemia, é uma ótima opção para descansarmos da nossa triste realidade. Indico!

Por estes dias, uma das polêmicas do BBB21 foi o vocabulário, digamos difícil, da sister Lumena. Psicóloga de formação, ela nos brindou com coisas como: “ressignificar”, “fenotipicamente triste”, “deslegitimação”, “itinerário” e por aí vai. Muitas “jornadas”. E, embora muitas vezes eu entendesse quase nada, dada a ausência de contexto das palavras na realidade da Casa, eu achava era engraçado.

Foi daí que eu me lembrei do vocabulário dos juristas (ou pretensos juristas, sei lá): um tal “juridiquês”. Na verdade, é natural o direito ter um vocabulário próprio, dito técnico. Isso se dá – e deve ser assim – com qualquer ciência. Na medida certa, ele ajuda a evitar desentendimentos. O problema é o seu uso exagerado ou descontextualizado. Palavras enormes, verborragia ou o uso desmedido de expressões em latim são exemplos disso. Obviamente, fica complicado para os leigos (e aqui me refiro àqueles sem formação jurídica) entender esse palavreado empolado. E é também complicado para nós, supostos juristas. Bom, nada pior que um suposto douto que fala muito e diz nada.

Um dos grandes desafios do jurista contemporâneo (e falo aqui do jurista de verdade) é trabalhar melhor a linguagem. Como disse certa vez, direito e linguagem estão muito mais relacionados do que imaginamos. Esta é o veículo daquele. E se vocabulário jurídico é um campo ideal para desentendimentos, agora acrescento: é também um campo fértil para platitudes.

Mas o que fazer para corrigir ou melhorar isso?

Se eu morasse na França, talvez fizesse uma carta, digamos um apelo desesperado, à famosa Académie Française, aquela fundada pelo Cardeal Richelieu (1582-1642), em 1635, no reinado de Luís XIII (1601-1643), hoje parte do não menos famoso Institut de France (que engloba ainda outras quatro academias de artes e ciências). Entre as funções da Académie Française, essencialmente relacionadas às letras e à cultura, está a de disciplinar o uso da língua francesa. Sua gramática, seu vocabulário e por aí vai. A Académie, por exemplo, publica um dicionário, o “Dictionnaire de l’Académie française”, que já está na nona edição. Pediria uma diretriz, talvez do tipo: “Juristas, falem e escrevam fácil”.

Mas vivo no Brasil, precisamente entre o Rio Grande do Norte e Pernambuco. Não posso apelar para a Academia Brasileira de Letras. Muito menos para as Academias norte-rio-grandense e pernambucana. Acho que elas não teriam nem atribuição nem força para baixar uma ordem de “falar fácil”. Ademais, os nossos supostos juristas são teimosos e tinhosos. Inventariam logo uma “fórmula legal”, obscura por si só, para fugir à “obrigação” de serem claros.

Resta-me advertir por aqui. Não basta vestir um terno para dizer coisas importantes. Não adianta falar difícil se você não sabe dizer o fundamental em português fácil. Soa vazio e até engraçado (num contexto despretensioso como o do BBB). Teremos apenas mais uma daquelas ignorâncias bem-vestidas. Um Conselheiro Acácio do “Primo Basílio” (1878) de Eça de Queiroz (1845-1900). A representação da mediocridade empolada. Seja da psicologia, seja do direito.

 

 

 

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

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