ASCENSÃO E QUEDA DE UM FOLIÃO DE ARAQUE –

A crônica abaixo foi escrita na década de 90 quando o Carnatal era na Praça Pedro Velho, ou Praça Cívica, como querem alguns patriotas de araque…

Da mesma forma que futebol é bola na rede, carnaval é pé na avenida. Agora, em Natal, a exemplo do Rio de Janeiro e outras cidades com tradição carnavalesca, inventaram o tal do camarote. É uma verdadeira camarotite. Ou camarotose. O ite é mais agudo e inflamatório; o ose é mais para mórbido, crônico. É provável que a camarotite se transforme em camarotose.

E como esses camarotes têm criado problemas! Uns reclamam dos preços, outros porque não foram convidados, outros porque queriam uma melhor localização, outros por falta de segurança e há, ainda, os que reclamam porque foram convidados.

Os camarotes ficaram muito fundos e a maioria dos proprietários mandou subir o piso com mais uma camada de madeira, o que duplicou o peso e consequentemente reduziu à metade a segurança da estrutura.

Para quem, como eu, que reclamei porque fui convidado, e compareci, observava as coisas de longe, a cena era ridícula. Os foliões desfilando ao som (melhor dizendo, zoada) de trios – geralmente com mais de três – elétricos como que se mostrando para os camaroteiros. Um pula–pula, agitando um tal de abana-mamãe ou coisa que o valha, que não leva a lugar nenhum. E a rafaméia vai passando e repassando, sem nenhuma graça.

Conversar não se pode, porque ninguém escuta ninguém. As músicas são chatas, repetitivas, coisa de baiano mesmo. Tem uma tal de Daniela Mercury que é tudo… tudo é ela. Ela é a luz, a vida, o ar que respiramos:

Não sobra nada para os outros.

Entediado com tudo aquilo, pode parecer incrível, mas o tal do camarote é extremamente monótono, resolvi sentar-me, mas não tinha onde. Até que vi algumas pessoas no corredor de circulação, por trás dos camarotes. Quando vou me ajeitando para sentar embaixo do corrimão, no suporte de madeira de um telhado de amianto que cobria as escadas, escuto uma voz amiga:

Era tarde. Noventa quilos em queda livre num percurso de quatro metros e meio.

Fração de segundo e o baque. Surdo ou estrepitoso? Ou ambos? Não ouvi nada. Quase atropelo uma subinte (e quem desce, é descente?). Rolo alguns degraus e fico de papos para o ar.

Foi a primeira coisa que escutei. Rápido segurei o punho que me quebraria algumas costelas e reclamei:

Levantei-me com a ajuda de amigos, sem dor em lugar nenhum, apenas algumas equimoses e escoriações de somenos importância e muitos comentários. Vejamos alguns:

sorte… sorte foi a sua que não caiu, meu amigo, ora sorte, resmunguei.

cai e não se machuca. É o gato. Obrigado.

Antônio Arruda Câmara me telefona:

macio degrau.

Mas aí chega Kátia para o porteiro e pergunta:

lugar… uns querem entrar à força, sem o ingresso, outros querem informações que eu não posso dar e ainda por cima nesse instante despencou um bêbado que caiu aqui nos meus pés… olhe lá o buraco na telha!

 

 

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor
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