VALÉRIO MESQUITA 1

HISTÓRIAS QUE O TICIO NOS CONTOU – FINAL – 

01) Ticiano Duarte, jornalista e acadêmico, além de excelente contador de histórias detinha um repertório formidável de causos. Conversar com ele era redescobrir o tempo e reviver figuras inesquecíveis. Num começo de noite, na calçada da Academia de Letras, vários colegas se reuniram em torno dele. Falava sobre o irrequieto poeta pernambucano Tomás Seixas, que marcou a boemia dos bares recifenses. Em pleno regime revolucionário, impressionado com o relato jornalístico do número de detidos pelos militares, decidiu procurar o quartel para prestar sua contribuição cívica, indigitando subversivos. “Quero falar com a Unidade de Informação Secreta, pois tenho algo importante a revelar”, disse Bebé, como era bastante conhecido, ao oficial de dia do Comando do 4º Exército. Imediatamente foi conduzido à presença do coronel responsável. Ao adentrar no gabinete, em pé, dedo em riste, o poeta logo desembucha: “Vocês estão esquecendo de prender o mais temível e perigoso comunista do Recife!!”. Sentado, o chefe militar de imediato despertou, curioso com a delação espontânea. “Quem é o sujeito?”, perguntou já reunindo à mão alguns papéis sobre o birô. “O poeta Tomás Seixas!”, exclamou o denunciante. Reflexivo por alguns segundos, o coronel informou desconhecer completamente o nome mencionado. Aí, o beletrista boêmio foi mais explicito: “Falo do poeta Bebé!”. “Ah, desse já ouvi falar. É um pobre coitado”, retrucou o militar desconversando sem dar a mínima atenção. Achado desimportante, o poeta pegou um jipão do Exército direto para o bar mais próximo.

02) Os amigos de Tomás Seixas estavam preocupados com os seus excessos. O álcool havia ingressado mesmo em seu cotidiano. Numa tarde verânica da Veneza brasileira Bebé cumpria a sua trajetória, de bairro em bairro, quando narrou uma história esquisita de um leão que invadira um bar. “Meninos, eu vi”, disse para uma platéia incrédula. “Xiiiii, o Bebé já está vendo animais da selva no centro de Recife!”, lamentou um companheiro de farras homéricas. “O tempo todo eu evitei o seu ataque jogando cerveja no focinho dele”, detalhava Bebé, piorando a situação. Mais tarde, um amigo de confraria foi cientificado das visões de Bebé. “Que nada”, rebateu o boêmio. “Eu estava lá e foi tudo verdade. Não fosse a cerveja no focinho do bicho ele teria atacado. Bebé é um herói!”.

03) Testemunhou-me Ticiano que o deputado Clóvis Mota tinha a seriedade como marca registrada. Atendendo o chamamento do partido, ficou no Rio Grande do Norte ao lado do monsenhor Walfredo rumo ao governo estadual. Em caminhada pelo bairro do Alecrim, uma coroa ainda “reboculosa” tomando a frente da comitiva, abraçou Clóvis e ofereceu-se: “Deputado, sou sua fã, meu voto é seu! Sou muito conhecida, principalmente na Rua Chile, na Ribeira. É só o senhor chegar e perguntar por “tab… de ouro”, todo mundo me conhece! Passe lá!”. Clóvis não perdeu o bom humor: “Minha senhora; eu não negocio com ourivesaria, principalmente “ouro do Juazeiro””. A assanhada saiu, sem perder o rebolado, acompanhando a passeata entoando a musiquinha: “Com Walfredo e Clóvis Mota, Ernani e Agnelo!!! Tá, tá, tá, tá, tá…”.

04) Outra que me foi narrada pelo Ticio aconteceu na campanha para governador de 1960. Aluízio Alves, já com dificuldades pra falar, vez por outra parava para repousar, pois não conseguia fugir dos que o procuravam. Certa tarde, aguardava um repórter de um jornal, enquanto manuseava um livro. O jornalista chegou e conversa vai, conversa vem, ele indagou: “Doutor Aluízio, diante de tantas vicissitudes o senhor nunca pensou em desistir da luta?”. Aluízio, fechando um pouco mais os olhos como de costume, para refletir, disse: “Desistir… Eu já pensei seriamente nisso. Mas nunca me levei realmente a sério. É que tem mais chão nos meus olhos do que o cansaço nas minhas pernas. Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros. Mais estradas no meu coração do que medo na minha cabeça”. O rapaz anotou tudo. Aluízio, colocando o livro na mesinha, comentou com bonomia: “Como as coisas calham. Eu acabo de “taquigrafar” esse texto do livro, em mão, de Cora Coralina”. O jovem jornalista ficou emocionado.

Valério Mesquita – Escritor – [email protected]

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