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O BLUES E SUAS IMPLICAÇÕES –

Do ponto de vista técnico, o blues é, na maioria das vezes, uma peça composta de estrofes de doze compassos, subdivididos em três grupos de quatro compassos ternários , sendo o segundo uma repetição do primeiro e o terceiro uma figura de arremate. Do ponto de vista harmônico ,os compassos estão organizados em cadência simples: quatro compassos sobre a tônica, dois sobre a subdominante, mais dois sobre a tônica e ao final dois sobre a dominante e dois sobre a tônica. Esses modelos  têm a vantagem de fornecer um conceito matemático, mas subestimam muitas canções  afro-americanas situadas  fora da regra, apesar de pertencerem a tradição do blues. É um som triste que assume a sua posição intimista nos planos existencial e místico; daí alguns autores enquadrá-lo como uma conseqüência natural do “Spiritual”, com fonte adicional de inspiração as técnicas dos pregadores religiosos e dos cantores de “Gospel”.

Alguns afirmam que o blues não teria nada a ver com sentimentos de melancolia ou tristeza. Foram  os hábitos europeus que forçaram a caracterização. Com razão, até certo ponto, pois as “blues notes” remontam às práticas musicais da África não representando necessariamente o espírito melancólico e sim um indicativo de perturbação e grande emoção. Infere-se daí  um possível mal entendido de conteúdo , reforçado por outro de ordem linguística. O que, aliás, é fácil de entender na medida em que  a linha do blues é, quase sempre,  o relato de experiências amargas , não reprimidas , expostas de forma realista. Como linguagem falada , ele estabelece  sua própria gramática ,  sua sintaxe,  de maneira que as suas palavras e frases tristes todos percebem, mesmo que de maneira superficial. É evidente que não se pode analisá-lo como uma forma de interpretação surgida ao acaso. Quase todas as peças refletem , em principio , o caráter da sociedade, a experiência de vida, a realidade humana em seus múltiplos aspectos. Está relacionado ao trágico, principalmente, quando aferido à luz do perfil psicológico de muito dos seus intérpretes . As biografias de Billie Holiday, Woody Herman, Jimi Hendrix, Bessie Smith, Janis Joplin, Eric Clapton, são evidentes e inquestionáveis. A evolução do jazz ( até mesmo do rock )seria inconcebível  sem o embasamento no blues, onde ele sempre aparece nas entrelinhas. É sintomática a afirmação do guitarrista inglês Eric Clapton: “ …  e o rock é como uma bateria que para ser recarregada obrigasse a gente a voltar ao blues de tempos em tempos “.

Apesar de estar bem mais próximo das formas de expressão  da música popular negra e ter sido difundido para atingir o público afro-americano, é na sua fusão com a música popular do branco onde se localiza um dos seus aspectos mais interessantes. A partir do momento em que ele passou a ser explorado comercialmente pelo branco, criou-se um impasse. Passou-se a viver uma  situação no mínimo ambivalente. Por um lado, condicionada à imposição de “marketing” e por outro, pelo abastardamento do veiculo de comunicação das experiências  relativas às condições   de vida da população negra. De qualquer modo, o blues vem  exercendo empatia e influência  em músicos de gerações mais recentes.

Os primeiros discos de Elvis Presley, 78 rotações em cera, costumavam apresentar de um lado um blues, do outro , um “country”. Um dos seus primeiros sucessos- “ That’s all right” – foi um blues de Arthur “Big boy” Crudup. Jimi Hendrix, que começou como músico de blues, cada vez mais tocava o “blues puro” nas suas ultimas apresentações. Os Rolling Stones tiveram  um de seus maiores sucessos – “ Little Red Rooster “ – pinçado de um vinil do bluesman Chester Burnett. A primeira gravação de “hard bop “ que reativou as tradições musicais negras  foi, talvez por coincidência, o blues “Walking” de Miles Davis. Larry Coryell, também  guitarista de blues em início de carreira , ousando tornar mais flexível , pela primeira vez no jazz , a entoação do instrumento com amplificação buscou influência em  T-Bone Walker. Bob Dylan, em uma de suas primeiras gravações, acompanhou “Big Joe” Williams na gaita. O carro-chefe do primeiro “long playing” da banda Jefferson Airplane  foi um blues de Memphis Minnie de 1941. A adoração de Janis Joplin por Bessie Smith foi bastante conhecida.

Nem os Beatles escaparam. A afirmação é de Erick Burdon: “- Explicar como os Beatles chegaram a esse som? É simples. Da mesma forma  que eu e muitos amigos meus, eles acompanharam a cena  musical norte-americana  de maneira quase fanática”. Mary Lou Williams , que abandonou o hábito em tempo , ainda , de tocar blues ao piano em tempo integral , na versão personalíssima do seu “The Blues”, no meio da música , resume tudo até agora dito ( escrito): “Playing in or playing out … you ain’t  played nothing, till you’ve played the blues”. Enfim, o blues é o retrato fiel da cultura do proletariado afro-americano e a expressão mais exata da cor de sua pele.

José DelfinoMédico, poeta e músico

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