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DO ATO DE ESCREVER –

 Vou tentar lhes explicar. Toda vez que releio qualquer poema meu, bom, quase sempre tenho a sensação que não era exatamente o que eu queria dizer. Sobre o prazer psicológico de explicar a mim mesmo, sempre correndo o risco de não ser necessariamente entendido por quem me lê. Um momento de coragem quando se é levado a uma decisão em fazer uma escolha. Escrever é um dom inserido numa questão de tempo, aprendizado, experiência e principalmente, decisão. É, sobretudo, repito, o prazer de se explicar a si mesmo. No fundo, terapia sem plano de saúde.

Por falar em decisão, vocês devem saber que antes de ficar com aquela imagem suave de São Francisco, com os passarinhos voando ao redor, ele era de uma família rica, participava de farras homéricas com os amigos. Mas quando se decidiu, sua resolução foi total. Despiu-se na praça da cidade de Assis e deu as roupas ao mendigos. Todos pensaram que ele tinha enlouquecido, chamaram-no de louco, “pazzo”, maluco, e atiraram pedras nele. Talvez ele estivesse num estado de delírio metafísico, de intoxicação divina.

 Mas acho que isto não é o importante. O importante, é que ele pregava o amor incondicional, o amor sem limites, à sua maneira, sem o palavreado da teologia e tocava as pessoas. Beijou as feridas do rosto de um leproso. Tirou dinheiro da loja pai, pode-se dizer que roubou, porque uma voz lhe disse “Francisco reforme a minha casa”. Mas sabe o que é o que os estudiosos de São Francisco discutem? Se ele fez isso tudo antes ou depois de receber os estigmas. É isso o que acontece. Afrouxamos a visão do atos de amor e somos levados a discutir detalhes.

Claro, os poemas são feitos exatamente pra isto. Os textos podem ter sua origem em sentimentos das mais variadas espécies. Vez que a paixão intelectual é sempre inflamada por entusiasmo, gratidão, prazer, amargura, amor, ódio, ira ou desgosto. De resto, me lembro que quando li as primeiras frases de “Lolita” de Nabokov decidi que eu nunca seria escritor… Era assim: “ Lolita luz de minha vida, fogo do meu lombo. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boa, afim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. Lo-li-ta. Era Lo, apenas Lo, pela manhã, com suas meias curtas e seu metro e meio de altura. Era Lola em seus slacks. Era Dolly na escola. Era Dolores quando assinava o nome. Mas, em meus braços, era sempre Lolita”.

Drama, paixão, perversão? Não importa, um romance absoluto. Isso porque o cara era russo e escrevia em inglês. Enfim, neste sentido humano, todo texto que se escreve, um romance, uma novela, um conto, um poema, uma tese, como diz Serejo, é sempre algo sobre a condição humana. Uma contribuição a serviço desse sonho do homem realizar sua utopia de não sofrer e, não sofrendo, ser feliz . O resto é conversa fiada.

José Delfino Médico, poeta e escritor

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