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LÁ DO SERTÃO… LÁ DO MOXOTÓ (FINAL) –

Ele olha para um lado e indica a direção das furnas que davam abrigo a Lampião, na Serra do Meio e na Serra das Trincheiras. Volto-me para o mesmo rumo, como se quisesse divisar no clarão do dia o arcano comentado. Entremeia uma história, com compatibilidade temática. Escuto.

Era tenra criança quando o pai viajou à feira de Mata Grande, nas Alagoas e ao passar pela Serra do Meio foi aprisionado pelo bando de Lampião. Dominado, impuseram-lhe a missão de prosseguir viagem para onde já ia, mas com a tarefa de alardear ao povoado que nada havia que denunciasse a presença do cangaceiro no trajeto que fizera, oportunizando assim um ataque de sobressalto à comuna. Não aceitou o encargo e sentiu que a desobediência lhe custaria a própria vida. Deu de ombros. Melhor assim. O Capitão Virgulino concedeu-lhe indulgência, em homenagem à sinceridade, transferindo a sabujice para outro transeunte pusilânime. O seu pai deu novo rumo à viagem e o ataque foi perpetrado, com os bandoleiros fingindo que conduziam um defunto para enterro, mas a rede estava repleta de armas e munições.

Muda-se a prosa. Diz-me das suas habilidades como rastreador de animais, de garrotes a barbatões. Certa feita botou sentido em uma rês que havia se desgarrado do seu curral. Passou dois dias no rastro, indo encontrar o fujão perto de Ibimirim, coisa de dez léguas de distância. Fez fama pelas fazendas por onde passou e por onde voltou exibindo o capturado.

A sensibilidade para a música tem a conformação dos rudes; mas isso não é desmerecimento. Pelo inverso! É apuração, pois não carece de instrução formal. Elogia os repentistas, pensando que eles brotavam da caatinga; que seriam o ponto zero dessa arte. Admira quando lhe digo que isso veio dos mouros que habitavam a Península Ibérica e cantavam as suas lamúrias bem como festejavam as suas vitórias, ao som de alaúde. O transbordo desse cancioneiro por cá chegou com a ocupação lusitana.

A propósito, trouxe-me – literalmente – um saco de música. Às costas chegou com um embornal, em cujo interior conduzia um modernoso aparelho eletrônico, hábil a reproduzir várias mídias, algumas em marcha batida para o desuso. Encomendou na feira de Inajá, a um mascate que traria de Juazeiro do Norte, um aparato no qual funcionassem fita cassete, compact disc e pendrive, além de rádio. O que mais admira é alguém com mais de noventa anos entender dessas traquitanas, discorrendo sobre os defeitos e vicissitudes de cada uma e pondo-as para funcionar perfeitamente.

Ouvimos  juntos uma sextilha (ou outra construção de rima, não importa…), de Edmilson Ferreira e Nonato Costa, nominada “Os meus olhos te dizem por mim”, que a certa altura dá enleios do tipo “o autor em quem tanto confio/ fez teu corpo com curvas de rio/ pôs nos teus olhos tinta de céu…”. E de Silvio Granjeiro e Francinaldo  Oliveira, uma sextilha intitulada “Eu não vi até agora”, com versos provocativos, assim: “Se tem eu não vi ainda/ mulher feia na revista/um mudo ser locutor/ e um cego ser motorista”.

Até outro dia, Vicente. Igual a você, “se tem eu não vi ainda”!

Ivan Lira de CarvalhoJuiz Federal e Professor da UFRN

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