AOS POUCOS… –

Aquela chuva, demorada no passar, me fez reclinar na cadeira de balanço da varanda e contemplar o gotejar contínuo num balde sob a biqueira.

Lembrei a jarra de barro que a minha saudosa vovó Aline, lá em Macaíba, mantinha ao final da calha para juntar a água da chuva. Um pano de linho branco servia de filtro para alguns resíduos vindo do telhado. “É pura, vem do céu”, me dizia. Eu, menino sambudo, não dava muita atenção pois eu gostava mesmo era de tomar banho naquela chuva que fazia frio, que deixava as unhas arroxeadas, o queixo tremendo e a alegria escorrendo no tempo. Apenas lembranças de momentos saudáveis e felizes que Deus me proporcionou.

Agora, na cadeira de balanço, meu olhar era para o balde que aos poucos ia enchendo e me levando a comparar com as etapas da vida.

Como assim?! Tudo aos poucos…

Aos poucos fui me formando no ventre materno e aos poucos chegando à medida que fui “dado à luz”.

Aos poucos fui dando os primeiros passos que se transformariam em muitos até hoje.

Aos poucos fui sendo criança “de verdade”, brincando, chorando, sorrindo, com medo de alma e bicho papão, sendo cuidado pelo carinho dos irmãos, pais e, pela santa babá chamada carinhosamente de Cruz.

Aos poucos, já menino, grande e magro, fui agregando amizades, algumas delas que se perpetuaram no caminhar.

Aos poucos fui aprendendo a ler e a escrever as primeiras letras, que no “ajeite essa letra” e no “dois vezes dois” iam construindo o saber que me fez cidadão.

Aos poucos fui vendo a luta diária empreendida por aqueles que cuidavam da minha saúde, do meu alimentar, do meu educar, do me ensinar as coisas lícitas, do compartilhar, do respeitar todas as pessoas e do ‘postar’ as mãos em agradecimento pelas bênçãos divinas.

Aos poucos fui entendendo que eu teria que seguir o meu próprio caminho, uma vez que os passos dados pelos meus pais iam ficando menos ágeis, pois suas mãos e braços ainda teriam de conduzir os demais irmãos.

Aos pouco fui absorvendo o sentido do que era perguntado: O que você vai ser quando crescer?

Aos poucos fui alçado a adulto e aos poucos descobri o amar e o constituir uma família com filhos e netos adoráveis.

Aos poucos fui enxergando o mundo com mais discernimento entre o que era bom e o que era mau, o que era certo e o que era errado, tudo à luz da educação recebida e, que até a essa chuva, ainda me norteia.

Aos poucos fui concebendo que cada indivíduo traz dentro de si a ‘brasa’ do bem e que essa precisa ser constantemente abanada pelo amor, para que a chama espelhe a imagem e semelhança ao Pai.

Aos poucos fui aprendendo a “dar a volta à torre”, como disse o escritor Saramago, e percebendo que a verdade e a mentira têm muitas faces, mas elas não convencem nem enganam quando diferem dos seus reais propósitos.

Aos poucos fui compreendendo que as perdas são tão importantes quantos aos ganhos, quando agimos com princípio em tudo o que fazemos.

Aos poucos fui assimilando que o porto mais sossegado é segurar a mão de Deus, e apoiar a outra mão no chão para se levantar à cada queda.

Aos pouco fui polindo o meu coração para amar você do jeito que você é.

Enfim, tudo aos poucos, como a água que enchia o balde.

E o seu balde como foi sendo enchido?

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

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