Li, ou ouvi dizer, aqui ou alhures, que se descortina o caráter de um indivíduo submetendo-o a uma destas três situações distintas: numa mesa de jogo com apostas, emprestando-lhe dinheiro ou acompanhando-o em viagem com duração de mais de uma semana.

Quanto às duas primeiras alternativas não posso me manifestar com conhecimento de causa, mas, comprovo na prática a teoria da última. É impressionante a transformação que se observa no comportamento de determinados companheiros quando submetidos às asperezas de uma viagem longa.

Não tenho o direito de prejulgar ninguém, e até entendo que tais alterações de compostura decorram das pressões contidas numa circunstancial e brusca mudança de hábitos, dando vazão à ansiedade, ao receio, ao estresse, à contrariedade e à necessidade de fazer valer nosso ponto de vista. É tiro e queda. Querendo ou não, nós nos mostramos como somos aos parceiros numa convivência prolongada distante do nosso habitat natural. Mas aí é que reside o foco da questão. Sem essa experiência fica difícil delinear o perfil da companhia ideal para viajar.

Para o bom convívio em viagens com amigos, me ensinaram que tudo se resumia ao trinômio: compreensão, espírito de corpo e renúncia. A teoria não teria eficácia quando em viagens atreladas a excursões, onde o grupo é manietado por horários e tangido tal qual cordeiros obedientes ao cajado ou ao assobio do condutor do rebanho.

Disseram-me ser essencial manter o espírito de corpo. Afinal você integra um grupo imbuído do mesmo objetivo: compartilhar momentos agradáveis em ambientes diferentes daqueles do dia a dia de cada um. Outro ponto seria compreender e aceitar as preferências dos membros da excursão buscando o consenso para a manutenção da unidade do conjunto. Por último, saber quando e como renunciar aos próprios anseios privilegiando a programação da equipe para não ser tachado de estraga prazer ou comparado a um roda-presa.

Isso na teoria funciona que é uma beleza. Agora leve para a prática e veja o que é bom para tosse. Existe o tal outlet, cuja única função é desestabilizar qualquer planejamento elaborado durante meses de pesquisa, em cima de mapas ou da história de cada país a ser visitado.

Mas, a quem responsabilizar pelo desmando? Ora, a quem! Àquelas com quem a vaidade melhor se identifica. Parceiras capazes de voltar às costas a pinturas e esculturas do Renascimento se houver do outro lado da rua vitrines com roupas de grife. Ou de descartar do roteiro qualquer obra arquitetônica da Idade Média se aparecer no percurso alguma promoção de produtos femininos de beleza.

Aprendi uma estratégia para o caso de amigos optarem pelas compras em detrimento de visitas a museus. Eu os deixo à vontade pedindo para não se constrangerem. Defino um local de encontro e vou satisfazer minha curiosidade em área distinta daquela.

Como para quase tudo na vida existe uma explicação, encontramos na natureza o motivo da compulsão feminina por compras de embelezamento. São as diferenças existentes no mundo animal onde, ao contrário do mundo racional, os machos são os privilegiados esteticamente. Isso desperta nas mulheres o agente patogenético causador do mal do culto à própria beleza. Se assim for, que a natureza siga o seu curso.

Tudo pode ser resumido num único conselho, para quem quiser viajar em paz. O segredo é esquecer as mulheres nas compras e aguardá-las num barzinho aprazível, se possível, na companhia de um honesto vinho nacional.

José Narcelio Marques SousaEngenheiro civil e escritor –  [email protected]

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