ANOS DE MUITOS COMEÇOS E FINS, 1963 –

O ano de 1963 marcou-me profundamente, não apenas pelos acontecimentos mundiais, como pelos pessoais. Nesse ano comecei a dirigir. Rafael Negreiros, meu pai, era rígido em umas coisas e flexível em outras. Mudava de ideia e de opinião, pois dizia que quem tinha ideia fixa não era bom da cabeça e, além do mais, ele não era estátua para permanecer a vida inteira na mesma posição, com os pombos defecando na sua cabeça.

Comecei a dirigir um fusquinha, pertencente a Dona Elizabeth, minha mãe e um Jeep Willis, uma Vespa e uma Lambreta, do meu pai, com a permissão de ambos. Já adulto, morando em Natal, eu quis comprar uma moto. Ele proibiu e disse que, enquanto fosse vivo, filho dele não andava de moto. Era um transporte perigosíssimo e o motociclista era o próprio parachoque… se eu comprasse ele viria destruí-la a marteladas. Desisti, obviamente, da ideia.

Lembro-me que, ainda neste ano, acabei com dois fusquinhas em abalroadas de grandes proporções. Uma vez com um caminhão, outra com um Jeep. Felizmente com prejuízos apenas materiais. Havia uma propaganda na revista Manchete, com a legenda: “Consegui acabar um sedan Volkswagen” e tinha um retângulo para se afixar uma foto. Como recebi a revista primeiro, colei uma foto minha, o que fez seu Rafael dar uma grande risada.

Era proprietário de uma bicicleta Monark. Foi nesse ano e nessa bicicleta que, acompanhado de um amigo, Antonio, subimos a ladeira do Alto do Louvor em Mossoró e estacionamos na boate Monte Carlo. O câmbio, na época, era quinhentos cruzeiros. Antonio estava liso, emprestei quinhentos para ele. Na hora “h”, Jane, a loura escolhida, foi ríspida:

– Com menino dessa idade – havia completado 12 anos – só vou por mil.

 – Antonio, como você está vendo, sou obrigado a pedir de volta os quinhentos que lhe emprestei.

Felizmente ele entendeu e não fez a menor questão. Depois vieram outras boates: Copacabana, de Neusa Barreto; Coimbra, de Luzia Queiroz; Sayonara, Las Vegas, Casa Blanca, A Pernambucana, Bar Brahma, Chateau de Neusa e muitos outros, todos próximos, numa região bem elevada da cidade. Inicialmente deram-lhe o nome de Art Nouveau, numa referência à arte mais antiga que se tem notícia, como se fora uma arte nova, em francês. O povo, pelo fato da região ficar num alto, vulgarizou para Alto do Louvor, onde íamos louvar as primas. Chamávamos de primas porque as proprietárias dos ambientes eram tratadas por tia – tia Luzia, tia Neusa, etc.

Havia começado a ajudar missa aos sete anos de idade. Estudávamos para ser acólitos – era um nome bem menos comprometedor do que o de “sacristão”, já que havia o encarregado geral que era Raimundo Sacristão, um gay assumido. A missa era em latim e o nosso professor era o Padre Flávio. De uma turma de seis, saíram quatro seminaristas (que não foi o nosso caso) e nenhum padre. Eram os irmãos Paulo e Armando, Ciro e Eduardo, Cirilino e não lembro o nome do outro.

Ainda recordo alguns trechos da missa que era celebrada de costas para o público, em latim, um idioma que ninguém entendia:

O padre: Introibo ad altare Dei (Entrarei nos altares de Deus)

O acólito: ad Deum qui lætificat juventutem meam (o Deus que alegra minha juventude)

O padre: Adjuntorium nostrum in nomine Domine (O nosso auxílio está no nome do Senhor)

O acólito: Qui fecit caælum et terram (Que fez o céu e a terra).

Então, se rezava o Confiteor que era a Confissão: Confiteor Deo omnipotenti, beatæ Mariæ semper Virgini, beato Michæli Archangelo, beato Joanni Baptistæ, sanctis Apostolis Petro et Paulo, omnibus Sanctis, et tibi, pater: quia peccavi nimis cogitatione, verbo, et opere: (percutiunt sibi pectus ter, dicentes): mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Ideo precor beatam Mariam semper Virginem, beatum Michælem Archangelum, beatum Joannem Baptistam, sanctos Apostolos Petrum et Paulum, omnes Sanctos, et te, pater, orare pro me ad Dominum Deum nostrum.

A última missa que acolitei foi nesse 1963, ainda em latim, embora o Concílio Vaticano II já estivesse decidindo que a missa deveria ser no idioma do país onde era celebrada. Estive rememorando os papas pelos quais já passei, vejamos a lista:

260º.- Pio XII (Eugenio Pacelli) Itália; 1939 – 1958.

261º.- João XXIII (Angelo Giuseppe Roncalli)  Itália; 1958 – 1963.

262º.- Paulo VI (Giovanni Battista Montini)  Itália; 1963 – 1978.

263º.- João Paulo I (Albino Luciani) Itália; 1978 (33 dias).

264º.- João Paulo II (Karol Wojtyla) Polônia; 1978 – 2005.

265º.- Bento, ou Benedito, XVI, (Joseph Ratzinger) Alemanha,  19 de abril 2005 – 28 de fevereiro de 2013, quando abdicou.

266º.- Francisco (Jorge Mario Bergoglio) Argentina, 13 de março de 2013

Ricardo Andrade, filho de Dalton Mello de Andrade, grandes amigos e vizinhos na paria de Jacumã, com a sua memória prodigiosa, relata que quando Paulo VI morreu em 1978 a manchete de “O Mossoroense” foi “Morre o Papa”. Assumiu João Paulo I que só durou 33 dias. A manchete do jornal foi: “O Papa morre de novo”.

Solon Negreiros, então com 72 anos de idade, o pai de mamãe, irmão de Manoel Negreiros, o pai de papai, adoece de um câncer de pulmão e esôfago. Era um homem extremamente religioso e quase todos os dias eu ia à missa com ele. Comecei a ajudar missas, como acólito, aos sete anos de idade e parei aos doze, motivado pela sequência de acontecimentos nesse ano de 1963. O papa João XXIII, que fora eleito já idoso, aos 77 anos, em 1958, estava com 82 anos e também muito doente. Continuarei no próximo artigo. Vou contar quase tudo.

 

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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