A TEORIA DA “IMPREVISÃO” E A PANDEMIA –

11 de março de 2020 é a data que mudou os rumos do mundo, com a decretação da pandemia do coronavírus, pela OMS. Em todos os recantos do planeta mobilizaram-se os governos para o enfrentamento da catástrofe.

A ciência do Direito não foi exceção.

Como advogado, tenho sido consultado por empresas e pessoas físicas sobre o cumprimento de contratos assinados “antes” da epidemia, considerando a drástica redução da produção de bens, comercialização e consumo,

As luzes jurídicas para responder às consultas vieram à mente pela recordação das aulas dos professores Paulo Viveiros (Direito Romano), desembargador Lins Bahia (Direito Civil) e meu sogro Claudionor de Andrade (Processo Civil), na vetusta Faculdade de Direito de Natal.

Naquela época, conheci a “teoria da imprevisão”, entendida como a proteção dada a quem assina um contrato e posteriormente depara-se com evento extraordinário, imprevisível e estranho, que altera completamente o cenário e impossibilita o pagamento.

Logo no primeiro ano de Direito, ouvi do Mestre Paulo Viveiros, estudioso do Direito Romano, referência ao Código de Hamurabi, rei da Babilônia, que já previa a “teoria da imprevisão (cláusula ‘rebus sic stantibus’) ao definir: “Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, … ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contratos e não pagar juros por esse ano”.

Mais tarde, em Roma, Cícero menciona, que o contrato é modificável, se as “condições subordinadas foram modificadas, no decurso de sua aplicação”.

A erudição dos professores Lins Bahia e Claudionor de Andrade sempre lembrava Santo Tomás de Aquino, que aderiu a essa concepção jurídica.  A consolidação ocorreu de forma curiosa (1902), quando o rei Eduardo VII, da Grã-Bretanha, Irlanda e imperador da Índia, adiou a data de sua coroação, por ter contraído doença grave.

Ocorre que vários apartamentos para hospedar convidados já tinham sido alugados, por preço elevado. O adiamento tornou inútil o contrato de locação, o que levou a “Corte de Apelação inglesa” acolher a “teoria da imprevisão”, liberando a responsabilidade de pagamento.

Diante das lições históricas, a atual pandemia se enquadra no conceito de evento extraordinário, imprevisível e estranho.

O artigo 479, do Código Civil, é claro ao admitir a possibilidade de renegociação das prestações contratuais, revisão judicial, ou anulação.

A lei da Liberdade Econômica, sancionada em setembro de 2019, define a revisão contratual, beneficiando os contratos empresariais, nas hipóteses de serem excessivamente onerosos.

A pandemia traz ao debate jurídico, os contratos entre shoppings e os lojistas, tendo em vista a interpretação dada ao artigo 54, da Lei do Inquilinato.

Isto porque, o citado dispositivo prevê literalmente duas regras aplicáveis às relações entre lojistas e empreendedores de shopping center.

Na primeira, prevalecem “as condições pactuadas nos contratos de locação respectivos”.

Na segunda, tais “condições” devem ser compatíveis com as demais “disposições procedimentais” previstas no mesmo texto legal.

“As demais disposições” dessa Lei do Inquilinato preveem um “aluguel” mensal, sendo permitido como acessório, o pagamento do IPTU, condomínio, contas de água, luz e gás. Entretanto, nas locações de shoppings, além do aluguel de 12 meses ao ano, são acrescidas “parcelas” equivalentes a um “décimo terceiro aluguel” e “mais” um percentual sobre o faturamento das lojas, com o direito do locador fiscalizar a contabilidade privada do locatário.

Certamente e em contraponto, será alegado pelos empreendedores de shopping center, o princípio”pacta sunt servanda”, que prevê a força obrigatória do contrato.

Todavia, em função da “teoria da imprevisão”, caberá ao julgador decidir, caso a caso, considerando que tal princípio não tem aplicação absoluta.

Nota-se, portanto, o surgimento de questionamentos, em tempos de pandemia, caso não prevaleça a negociação.

Afinal, a “teoria da imprevisão”, segundo o jurista cearense José Maria Othon Sidou, nada mais é do que um meio de reconhecer o “adubo do suor humano para dar sombra aos que procuram abrigo no direito social”.

A economia não suporta mais solavancos.

Por isso, a “torcida” será para que haja o consenso. O objetivo é todos voltarem a trabalhar, em harmonia e sem conflitos judiciais.

 

 

 

Ney Lopes – Jornalista, advogado e ex-deputado federal, [email protected]

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