A JANELA –

O dia amanheceu nublado, domingo, seis horas da manhã, os primeiros cantos dos pássaros, em particular, um casal de Bem Te Vi, regendo uma linda orquestra, que faz muito bem a alma.

Preciso escrever, mas escrever o quê? Os últimos meses, tem sido duro, em quarentena há mais de oito meses vem a tristeza de não puder sair, falar com as pessoas, abraçar os amigos, dar aquele aperto de mão, aquele abraço, aquele beijo, aquele sorriso, dizer – Salve, como é que vai?, Não posso! Escrever o quê? Tiro os olhos da tela do computador, olho o céu, nuvens escuras de chuvas, os pássaros, desaparecem, não escuto mais os seus cantos, as poucas árvores pouco se movem, o vento esfria, parece que a vida desaparece, longe, ouço um tocar, um violino, uma Ave Maria. Paro um pouco rezo uma Ave Maria, vem à lembrança do tempo, tempo daqueles que partiram, que eu não pude vê-los nos últimos momentos, que pude homenageia-los pela última vez.

Amigo Jaime de Oliveira Junior, você foi o primeiro a descer na primeira parada do trem, médico, atencioso com seus familiares e querido por eles. Deixou dois lindos filhinhos e uma esposa muito jovem. Foi ou está sendo difícil amigo, mas quem sabe um dia a gente se ver por aí.

Amigo Jorge Lira, Jorginho, com surpresa você levantou-se da sua cadeira e gritou – vou descer aqui, ainda falei – Que é isto amigo, aqui não é sua estação! Você deu um breve sorriso, pegou a guitarra, olhou para os amigos da Banda dos Anos Sessenta e partiu.

Amigo Hélio Rocha, você parece que estava sabendo que ia fazer sua última viagem quando foi a nossa confraria no Bar do GG, chegou meio calado, falou pouco, olhou muito para o tempo, pediu licença para fumar um cigarrinho. Não parecia o Hélio carnavalesco, alegre, comandante da Banda do Siri, você amigo, também desceu na estação antes do tempo, antes que eu pudesse abraça-lo.

Amigo Wanderlei Mariz, que coisa cara! Você também resolveu descer, deixando a mesa das quintas feiras, na Confeitaria Atheneu, mas tinha que ser agora? A resposta não tive.

Amigo Francisco de Assis Barros -Ciduca, A sua alegria, a sua verve, a sua escrita sertaneja, você largou tudo amigo? E o pior você partiu, levando sua esposa. É amigo, esse trem tem umas paradas inesperadas, e nelas a gente é obrigado a descer deixando todos atordoados. Como vai ficar Dona Zefinha sem as suas perguntas? Até breve amigo.

Amigo Délio Casado, que coisa em “cumpade?” como você era alegre, como você era amado por todos amigos e familiares. Você desceu muito antes da sua estação, mas, sei da sua dignidade, do seu esforço para não pular do trem, a sua alegria, o seu amor pela família. Sempre lhe vi alegre, a sua descida na sua estação não sei por que foi antecipada, mas, é assim o trem da vida.

Primo Luiz Guimarães, você como sempre caladão, depois que o engenho Boa Vista desapareceu a gente ficou distantes nem parecia aqueles garotos peraltas correndo a cavalo pelas ruas de São José de Mipibu. É meu primo, a sua descida também foi rápida, não esperava agora.

Amigo Marcus Vinicius Coelho Leal de Oliveira. Meu querido sobrinho, você não avalia que tristeza e que vazio você deixou na sua partida. Você desceu do trem muito cedo amigo, talvez na parada errada. Deixou todos nos abismados e assustados olhando um para o outro sem entender a sua partida.

Amiga Débora Fernandes, A sua passagem estava escrita com letras diferentes, com letras de um azul muito forte, porque sua viagem foi bonita, foi celestial, digna de uma médica que abraçou a sua profissão com dignidade, e morreu por ela. Amiga você partiu muito jovem, mas deixou o seu legado. Um grande abraço.

O trem continua, viagens para uns curtas ou compridas para outros, triste ou alegres para aqueles que sabem desfrutar dessa viagem.

 

 

 

Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor, membro do IHGRN

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