A FAMOSA BIBLIOTECA DE DUBLIN –

No já distante ano de 2011 – vide as crônicas “Em Dublin” e “Pubsday” –, eu escrevi aqui sobre a capital da República da Irlanda, terra natal ou adotada de George Bernard Shaw (1856-1950), William Butler Yeats (1865-1939) e Samuel Becket (1906-1989), os outrora famosos três prêmios Nobel locais, hoje acompanhados de Seamus Heaney (1939-), o ganhador do prêmio em 1995. Isso sem falar em outros ícones das letras, como Jonathan Swif (1667-1745), Laurence Sterne (1713-1768), Bram Stoker (1847-1912), Oscar Wilde (1854-1900), James Joyce (1882-1941) e por aí vai, que se fizeram por lá. Com pouco mais de 500 mil habitantes, Dublin é, de fato, uma terra de escritores e livros. E também de muitos pubs (são para lá de 800, segundo eu sei) e bebedeira (no que já fui muito bom!). Aliás, na Irlanda, como disse certa vez Samuel Johnson (1709-1784), “ninguém vai aonde não se pode beber”.

Entretanto, hoje, de volta à capital da Irlanda (em pensamento), foquemos apenas nos livros e, especialmente, num dos mais famosos templos a eles (os livros) dedicado: a “Biblioteca do Trinity College” (de Dublin).

Dominando a geografia e a vida cultural da cidade (concorrendo com os muitos pubs, claro), o “Trinity College” de Dublin, como informam Guillaume de Laubier e Jacques Bosser, em “Bibliothèeques du monde” (Éditions de La Martinière, 2014), foi fundado em 1592 pela Rainha da Inglaterra Elizabeth I (1533-1603), “com o claro objetivo de propagar a ‘boa’ religião, a saber a anglicana, num país profundamente católico [a Irlanda, pondo de fora, claro, a anglicana Irlanda do Norte]”. Certamente por isso, por dois séculos, até pelo menos 1793, não eram formalmente aceitos ali estudantes católicos. E, até por oposição da própria Igreja Católica, essa arenga só foi amainar mais dois séculos depois, por volta dos anos 1970. De toda sorte, de intelectuais e escritores, a história do “Trinity College” é farta. De uma tacada, com a ajuda de Jean Serroy (texto) e Guillaume de Laubier (fotografias), os autores de “The Most Beautiful Universities in the World” (Abrams Books, 2015), posso citar Jonathan Swift (1667-1745), Edmund Burke (1729-1797), Bram Stoker (1847-1912), Oscar Wilde (1854-1900) e Samuel Beckett (1906-1989) como ex-alunos da universidade.

A “Biblioteca do Trinity College” é seguramente uma das mais famosas e belas do mundo. Mas nem sempre essa biblioteca foi como hoje ela é. Projetada por Thomas Burgh, ela foi em princípio finalizada em 1732. Todavia, como anotam os já citados Guillaume de Laubier e Jacques Bosser, a vida da biblioteca “muda radicalmente a partir de 1801. Neste ano, o Parlamento de Londres institui um depósito legal de livros para todas as ilhas britânicas, e ao Trinity College foi outorgado o direito de receber um exemplar em nome da Irlanda. Ao final dos anos 1840, a grande sala, guarnecida com 90 mil volumes, estava em vias de saturação, já que recebia entre 1 e 2 mil livros a cada ano”. Na verdade, conforme explicam os autores de “A biblioteca: uma história mundial” (Edições Sesc, 2016, e cujo título original é “The Library: a World History”), James W. P. Campbell (texto) e Will Pryce (fotografias), a biblioteca “como hoje se apresenta não é um reflexo do pensamento do século XVIII, mas o resultado de uma massiva reconstrução do escritório de arquitetura Deanne and Woodward, finalizada em 1856”.

No total, a “Biblioteca do Trinity College” salvaguarda em torno de 6 milhões de volumes. Entretanto, como anotam os autores de “The Most Beautiful Universities in the World”, “200 mil livros são mantidos na sala central de 65 metros de comprimento, merecidamente chamada de a ‘Grande Sala’”. De fato, pelo que pesquisei, na “Grande Sala” são 63,78m de comprimento, por 2,27m de largura e 15m de altura, superfície e volume mais que ambiciosos para uma instituição à época ainda modesta. A “Grande Sala” – outrora de leitura, hoje só de conservação – é a joia da “Biblioteca do Trinity College”. Na verdade, para fins de excelência estética, ela, a “Grande Sala”, é “a Biblioteca” da Universidade. E, sem dúvida alguma, toda em madeira escura trabalhada, do chão ao teto, ela é belíssima.

O seu acervo – refiro-me especialmente à “Grande Sala” – também é riquíssimo. É verdade que grande parte dos 200 mil visitantes anuais da “Biblioteca do Trinity College” lá vão para admirar o “Book of Kells”, que é considerado um dos mais suntuosos livros a ter sobrevivido da Alta Idade Média. Mas ali, na “Grande Sala”, também estão “protegidos”, segundo informam os autores de “Bibliothèeques du monde”, além do “Book of Kells”, papiros egípcios, documentos da história da Irlanda, manuscritos de Synge, Yeats, e Beckett, e outros livros datando dos séculos VI a IX, tais como o “Book of Darrow”, o “Book of Molling”, o “Book of Armagh”, o “Book of Dimma”, o “Usserianus Primus”, o “Usserianus Secundus” e por aí vai.

Certamente por isso, a “Grande sala” (outrora) de leitura é hoje interditada aos leitores, servindo fundamentalmente para conservar os livros antigos da biblioteca, que “são consultados raramente, quiçá jamais”. E, curiosamente, como se estivessem em estado de alerta contra possíveis infratores, dezenas de bustos em mármore guardam as alcovas cheias de estantes escuras e livros. Eles homenagem filósofos, historiadores, poetas, cientistas etc., a exemplo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demóstenes, Francis Bacon, Jonh Locke, Shakespeare e Isaac Newton, entre muitos outros, assim como alguns antigos professores do Trinity College.

Por derradeiro, registre-se que Dublin, “City of Literature”, possui outras maravilhosas bibliotecas, como a “National Library of Ireland” (que fica nos números 2/3 da Kildare Street), a “Marsh’s Library” (localizada na St. Patrick´s Close) e a “Chester Beatty Library” (que fica no próprio Castelo de Dublin), todas muito pertinho uma da outra. Quem sabe um dia não conversaremos sobre elas por aqui. Pensando bem, isso é um bom motivo para eu voltar lá, à terra dos muitos pubs, com ou sem bebedeira.

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

 

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